Tratando-se de uma obra ficcional, esta encontra-se fora do tempo e do
espaço. E o anacronismo do discurso do narrador permite-lhe revisitar o passado
e recuperar vidas que a História esqueceu.
A atitude narratológica assumida no romance coloca dificuldades de
classificação, principalmente porque a instância narrativa não é una,
subdividindo-se em outras de menor importância, manipuladas pelo narrador
principal.
O narrador revela-se quase sempre omnisciente e assume a posição
heterodiegética; mas este estatuto não serve as intenções do autor. Por isso
este vai servir-se de outros processos ligados à narração, chegando a criar
instruções discursivas para os seus comentários, ironias e divagações;
empréstimos do estatuto de narrador a outras personagens da história.
A riqueza e versatilidade deste(s) narrador(es) passam pela adopção de
estratégias que visam:
a) Representar-se como narrador-orador capaz de
simular um imediatismo no acto de narrar e dando lugar a dialogismos mais ou
menos configurados no discurso;
b) Captar a atenção do narratário – convocado
para o discurso, tanto por uma pluralidade ambígua (nós) como por um indefinido
(“Veja-se”) – que se pretende participante no acto de contar;
c) Gerir a informação a contar, relevando a
ficção face à história, o plano humano face ao da realeza (a omnisciência
implica, também, selecção e interpretação);
d) Reflectir sobre o narrado e simular o
processo de narração homologicamente ao processo de reflexão escrita;
e) Solicitar um leitor activo no processo de
leitura da obra.
A atitude do narrador principal para com o narrado é aparentemente
contraditória: por um lado, temos uma tentativa de aproximação à época
retratada, ao reconstituir a cor local e epocal, mas, por outro, dá-se uma
enorme distanciação, visível nas inúmeras prolepses e na ironia sarcástica
utilizada para atacar alguns aspectos da História, fundamentalmente os que se
ligam às personagens socialmente favorecidas.
O narrador distancia-se do narrado pelas referências irónicas, mas também
por um processo de afastamento temporal que o obriga a adaptar a linguagem e a
distinguir entre um vocabulário respeitante à época histórica retratada e outro
que se reporta à actual.
A actualização de vocabulário é visível quando descreve a pedra do pórtico
da igreja, cujas medidas e peso nos são dados primeiro em pés, palmos e
arrobas, para depois falar em metros e quilos.
Temporalmente, mais afastados
estão os momentos em que o narrador simula actuais visitas guiadas ao convento
de Mafra.
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