Os heterónimos são concebidos
como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e
até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais
da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de
realidade e a estranheza da existência. Traduzem a consciência da fragmentação
do eu, reduzindo o eu “real” de Pessoa a um papel que não é maior que o de
qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. São a
mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irónica. De
entre os vários heterónimos de Pessoa destacam-se: Alberto Caeiro, Ricardo Reis
e Álvaro de Campos.
Segundo a carta de Fernando
Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre,
inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso
, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo,
onde foram escritos quase todos os seus poemas, sendo os do último período da
sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí,
segundo Pessoa, a “novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra”).
Não desempenhava qualquer profissão e era pouco instruído (teria apenas a
instrução primária) e, por isso, “escrevendo mal o português”. Era órfão desde
muito cedo e vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó.
Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando
viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, isto é, recusando
saber como eram as coisas na realidade, conhecendo-as apenas pelas sensações,
pelo que pareciam ser. Era assim caracterizado pelo seu panteísmo, ou seja,
adoração pela natureza e sensacionismo. Era mestre de Ricardo Reis e Álvaro de
Campos, tendo-lhes ensinado esta “filosofia do não filosofar, a aprendizagem do
desaprender”.
São da sua autoria as obras O Guardador de Rebanhos, O Pastor
Amoroso e os Poemas Inconjuntos.
Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas,
tendo recebido, por isso, uma educação clássica (latina). Estudou (por vontade
própria) o helenismo, isto é, o conjunto das ideias e costumes da Grécia antiga
(sendo Horácio o seu modelo literário). A referida formação clássica
reflecte-se, quer a nível formal, quer a nível dos temas por si tratados e da
própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.
Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de convicções
monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República.
Caracterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e consciente (concebia os deuses
como um ideal humano), reflectia uma moral estoico-epicurista, ou seja,
limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe Diem”) e
aceitando o carácter efémero da vida.
Álvaro de Campos, nasceu em Tavira em 1890. Era um homem viajado. Depois de
uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na
Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente (de que resultou o poema
“Opiário”). Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à
literatura, intervindo em polémicas literárias e políticas. É da sua autoria o
“Ultimatum”, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos
pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortónimo uma polémica aberta.
Protótipo da defesa do modernismo, era um cultivador da energia bruta e da
velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é
um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um
desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irónicos.
Representa a parte mais audaciosa a que Pessoa se permitiu, através das
experiências mais “barulhentas” do futurismo português, inclusive com algumas
investidas no campo da ação político-social
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