quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Tempo em "Memorial do Convento"

Tempo
Trata-se do tempo em que decorre a acção.
       O tempo da história é constituído por algumas datas fundamentais.
      A acção inicia-se em 1711. D. João V ainda não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais de dois anos da Áustria.
      O fluir do tempo, mais do que através da recorrência a marcos cronológicos específicos, é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns espaços e objectos ao longo da obra.
Referências cronológicas
      As referências cronológicas mais importantes são as seguintes:
      Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do Convento de Mafra
      Em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão
       Em 1719, celebra-se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha)
      Em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do quadragésimo primeiro aniversário do rei, realiza-se a sagração do Convento de Mafra
      A acção termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa, num  auto-de-fé.

O tempo do discurso

       O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador relata os acontecimentos. Este pode apresentá-los de forma linear, optar por retroceder no tempo em relação ao momento da narrativa em que se encontra ou antecipar situações.

A acção em "Memorial do Convento"

A acção em Memorial do Convento polariza-se em torno de dois temas:

àConstrução do Convento de Mafra;
àConstrução da passarola.

O 2.º tema aparece, no entanto, como fio condutor de toda a narrativa.
No fundo, nesta obra, não é propriamente a história do Convento de Mafra que se pretende contar, mas a história dos sonhos materializados pela vontade dos homens, que permitem criar um espaço de liberdade e de evasão.

Desta forma a construção do Convento representa a repressão do homem, ao passo que a construção da passarola representa a liberdade (aparece como o símbolo de união entre a terra e o céu). Dito de outra forma...

Contar a história da construção do Convento de Mafra é:

àFalar dos constrangimentos do amor do rei e da rainha, que estão na origem da sua construção;
à Lembrar o trabalho forçado dos trabalhadores que o construíram;
àDenunciar: a vaidade do rei e a prepotência da Igreja; a exploração dos humildes; a instauração de um clima de medo, à custa da ignorância do povo e da injustiça da História, que serve o jogo do poder.

A passarola é a antítese do convento é contar a sua história é lembrar:

àO amor livre de Baltasar e Blimunda;
àO entusiasmo da sua construção;
à A solidariedade entre os seus construtores, que conseguiram aliar a sabedoria do Padre Bartolomeu de Gusmão, a arte de Baltasar e a magia de Blimunda, num ambiente em que cabia também a música de Scarlatti – instrumento de transfiguração do real, tal como a máquina voadora mobilizada por uma carga imaterial: as “vontades” dos Homens, recolhidas por Blimunda.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Personagens em "Memorial do Convento"


Rei D. João V

  • Rei vaidoso, egocêntrico, megalómano e libertino
  • Rico e poderoso - não sabe o que fazer com tanta riqueza
  • Arrogante - a vontade do rei é divina
  • Tem " medo de morrer"
  • É ridicularizado pelo narrador que recorre à caricatura e ao tom irónico na sua descrição

 

Baltazar

  • Homem do povo nascido em Mafra
  • Não tem a mão esquerda
  • Tem a alcunha de Sete Sóis
  • Apaixonado por Blimunda
  • Sonhador, constrói a Passarola
  • Morre queimado num auto-de fé (54 anos)

 

Blimunda

  • Mulher misteriosa, fiel, intuitiva e inabalável no amor
  • Possui o dom da vidência, vê o interior dos corpos
  • Tem a alcunha de Sete Luas
  • Tem uma sabedoria muito própria, é inteligente

 

Padre Bartolomeu de Gusmão

  • Sonhador, visionário e culto
  • Capelão na corte e amigo de D. João V
  • Nascido no Brasil
  • Possui uma visão muito própria da religião pois:

- abençoa a relação de Baltazar e Blimunda
- aceita o dom de Blimunda
- é muito ligado à ciência

  • Possui um espírito cientifico que o vai afastando da igreija progressivamente
  • O seu conhecimento e estudos levam-no a interrogar-se acerca dos dogmas católicos
  • Tem medo da Inquisição pois está consciente de que fez coisas condenadas pelo Santo Oficio como, a construção da Passarola
  • Morre louco em Toledo

 

Domenico Scarlatti

  • Músico italiano, nascido em Nápoles
  • Talentoso, culto e sonhador
  • Professor de D. Maria Barbara
  • Trava amizade com o Padre Bartolomeu na corte do rei
  • Tem conhecimento da existência da Passarola e interessa-se pelo engenho
  • A sua música possui um poder curativo e inebriante

 

O povo

  • Populares anónimos, analfabetos e oprimidos
  • Trabalhadores humildes
  • Sacrificados e sujeitos à exploração dos poderosos
  • Elevados a herói pelo narrador

 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Elementos Simbólicos em "Memorial do Convento"


Passarola: é tanto o símbolo da concretização do sonho, representando assim também a libertação do espírito e a passagem a outro estado de consciência, uma vez que que esta é igualmente um símbolo da ligação do céu e da terra, pois ousa sair do domínio dos homens e entrar no domínio de Deus; Por outro lado é um símbolo dual, pois é por sua causa que nasce a Trindade terrestre, mas também é o motivo de separação desta.

Sol: representa a força e a própria vida, fazendo corresponder Sete-Sóis a Sete Vidas, transformando deste modo a personagem de Baltasar como representante de todo o povo.

Lua: Tradicionalmente a Lua simboliza, por não ter luz própria, o princípio passivo do sol. No entanto, a obra revoluciona o conceito da Lua ao dar a Blimunda capacidades sobrenaturais que dependem das fases da lua, tornando a tão relevante como o sol.

Sol e Lua: simboliza a união como um todo, porque são o verso e o reverso da mesma realidade, o dia;

Sete: este número representa a totalidade perfeita. Para além da utilização deste símbolo na expressão da completude de Baltasar e Blimunda, também é recorrido noutras situações, tal como no dia da sagração do convento;

Nove: representa o coroamento dos esforços, o concluir de uma criação, utilizado para simbolizar os 9 anos de procura de Blimunda por Baltasar;

Vontade: as vontades recolhidas, utilizadas como combustível para a passarola voar, representa que, aliadas com a ciência e arte, o querer do homem faz avançar o mundo;

Trindade terrena: constituída pelo padre Bartolomeu, o pai, por Baltasar, o filho, e por Blimunda, o espírito. Esta simboliza a harmonia perfeita; Uma vez que esta é terrena, está aberta a um quarto elemento, Domenico Scarlatti, dado que quatro é o número da terra;

Mãe de pedra: o transporte desta grande pedra de mármore de Pêro Pinheiro a Mafra é uma epopeia, uma vez que esta acção é descrita com "grandeza" clássica e é vista como um acto heróico dos operários, que tem que transportar uma pedra gigantesca, num carro especialmente concebido para o seu transporte, este comparado a uma nau da Índia, e com a ajuda de duzentas juntas de bois. Os seiscentos homens que a puxam.

 

Linguagem e Estilo de José Saramago em "Memorial do Convento"

São utilizadas numerosas figuras de estilo como metáforas, comparações, antíteses, hipérboles, etc. Mas destaca-se a ironia através da qual o narrador faz críticas sobretudo ao rei e ao clero. Há também ironia nas discrições do auto-de-fé ou das procissões. Os registos de língua utilizados variam entre a linguagem cuidada, complexa, literária e a linguagem familiar e até popular (adequada as personagens do povo).
 
As frases são extensas, próximas do discurso oral ou traduzindo o interior das personagens.
 
Há muitas enumerações, polissíndetos e paralelismos.
 
A pontuação e o aspecto mais invulgar na obra de Saramago. São apenas utilizadas o ponto final e a vírgula. Não a pontos de interrogação, nem de exclamação e os diálogos não são assinalados com dois pontos e travessão.
 
A pontuação (ou a sua ausência) é um dos contributos mais importantes para a originalidade da obra.

Narrativa em "Memorial do Convento"


Tratando-se de uma obra ficcional, esta encontra-se fora do tempo e do espaço. E o anacronismo do discurso do narrador permite-lhe revisitar o passado e recuperar vidas que a História esqueceu.

A atitude narratológica assumida no romance coloca dificuldades de classificação, principalmente porque a instância narrativa não é una, subdividindo-se em outras de menor importância, manipuladas pelo narrador principal.

O narrador revela-se quase sempre omnisciente e assume a posição heterodiegética; mas este estatuto não serve as intenções do autor. Por isso este vai servir-se de outros processos ligados à narração, chegando a criar instruções discursivas para os seus comentários, ironias e divagações; empréstimos do estatuto de narrador a outras personagens da história.

A riqueza e versatilidade deste(s) narrador(es) passam pela adopção de estratégias que visam:

a) Representar-se como narrador-orador capaz de simular um imediatismo no acto de narrar e dando lugar a dialogismos mais ou menos configurados no discurso;

b) Captar a atenção do narratário – convocado para o discurso, tanto por uma pluralidade ambígua (nós) como por um indefinido (“Veja-se”) – que se pretende participante no acto de contar;

c) Gerir a informação a contar, relevando a ficção face à história, o plano humano face ao da realeza (a omnisciência implica, também, selecção e interpretação);

d) Reflectir sobre o narrado e simular o processo de narração homologicamente ao processo de reflexão escrita;

e) Solicitar um leitor activo no processo de leitura da obra.

A atitude do narrador principal para com o narrado é aparentemente contraditória: por um lado, temos uma tentativa de aproximação à época retratada, ao reconstituir a cor local e epocal, mas, por outro, dá-se uma enorme distanciação, visível nas inúmeras prolepses e na ironia sarcástica utilizada para atacar alguns aspectos da História, fundamentalmente os que se ligam às personagens socialmente favorecidas.

O narrador distancia-se do narrado pelas referências irónicas, mas também por um processo de afastamento temporal que o obriga a adaptar a linguagem e a distinguir entre um vocabulário respeitante à época histórica retratada e outro que se reporta à actual.

A actualização de vocabulário é visível quando descreve a pedra do pórtico da igreja, cujas medidas e peso nos são dados primeiro em pés, palmos e arrobas, para depois falar em metros e quilos.

Temporalmente, mais afastados estão os momentos em que o narrador simula actuais visitas guiadas ao convento de Mafra.

D.João V (Memorial do Convento)


Em Memorial do Convento, José Saramago caracteriza-o como megalómano, infantil, devasso, libertino e ignorante, que não hesita em utilizar o povo, o dinheiro e a posição social para satisfazer os seus caprichos.

 
Poderoso e rico, D. João V, medita "no que fará a tão grandes somas de dinheiro, a tão extrema riqueza", e anda preocupado com a falta de descendente, apesar de possuir bastardos. Promete "levantar um convento em Mafra" se tiver filhos da rainha Maria Ana Josefa, com quem tem relações para cumprimento do dever, em encontros frios e programados. A sua pretensão vai realizar-se com o nascimento da princesa Maria Bárbara e, apesar da decepção por não ser um menino, mantém a promessa de que "Haveremos convento." (Cap. VII).


Em Memorial do Convento, o rei, que com "medo de morrer" decide a sagração da basílica de Mafra para o dia do seu aniversário (22 de Outubro de 1730), surge, diferente da História, ridicularizado.