terça-feira, 30 de outubro de 2012

"Mensagem" - Análise de Poema "Nevoeiro"

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...



















Análise:

Este poema apresenta três recursos estilísticos :

-anáfora (verso 7, 8, 9 , 11, e 12);

- personificação (verso 4);

-antítese (verso 3);

O verso nº 10 reprezenta uma expressão de inquietação formulada pelo sujeito poético, espécie de premonição de que algo está para acontecer.

Simbologia - O nevoeiro remete simultaneamente para a noite e para a escuridão  que é  ver "Portugal a entristecer" e para a esperança de D.Sebastião.



















quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Mensagem" - Análise do Poema "O Monstrengo"


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»


 







- Animação baseada no Poema



Reflexão:
O que o Gigante Adamastor é para Os Lusíadas é para a Mensagem “O mostrengo”. Ambos, cardeais, axiais; ambos de tal importância, que foram colocados, pelos seus autores, exatamente, pensadamente, mesmo materialmente, no meio do grande poema. No caso da Mensagem, o rigor e a exatidão são matemáticos: 21 poemas antes, 21 poemas depois de “O mostrengo”. Estes episódios, estão no meio pois isto é a meio da viagem e é o ponto mais alto e difícil para o povo português.




"Mensagem"- Análise do Poema "O Infante"

Análise do Poema "O Infante"
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
 

Reflexão:
Este poema (“O infante”) foi criado para estabelecer uma relação passado/presente/futuro. Deus quis que os portugueses sonhassem o desvendamento do mar, fazendo nascer a obra dos descobrimentos.
Os portugueses no passado cumpriram, a missão divina, desvendando os mares desconhecidos e criando o Império. Mas este desfez-se e, no presente, Portugal é uma pátria sem glória que falta “cumprir-se” daí o apelo profético expresso no último verso exclamativo, ao cumprimento do destino mítico do Portugal.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

"Mensagem" - Análise do Poema "D. Afonso Henriques"

Pai foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!



Análise
Este poema apresenta-se como uma prece dirigida a D. Afonso Henriques, “Pai” de uma geração que lendariamente recebeu a força e a missão de Deus. O sujeito poético, assumindo-se como voz do coletivo português, pede ao Rei-Rei que dê ao seu povo o exemplo, a força e a bênção, porque “Hoje a vigília é nossa”, somos nós que temos que ser cavaleiros contra “novos infiéis”, fantasmas do adormecimento coletivo.
Implicitamente, este poema recupera a lenda da Batalha de Ourique, que atribuiu uma dimensão sagrada á fundação de Portugal, tal como nos é apresentando no episódio “Batalha de Ourique” de Os Lusíadas.

"Mensagem" - Análise do poema "O dos Castelos"

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.


Análise
Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto que na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente.

"Mensagem"- Caracteristicas da obra

Carácter épico-lírico
· A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjetiva introspetiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.
O mito
· As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo
· A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual
· É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.

"Mensagem" - Estrutura da obra

A estrutura da obra
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…
É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.

"Mensagem" de Fernando Pessoa

Mensagem a epopeia lírica
A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.
A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a ação dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutras ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade coletiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua ação criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Reflexões do Poeta em "Os Lusiadas"


Em Os Lusíadas, o plano das reflexões do poeta são extramente importantes, uma vez que é nele que estão expressos os conselhos e as críticas do sujeito poético dirigido aos Portugueses. Nessas reflexões, há louvores e queixas, por um lado poeta realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio dos portugueses e, por outro, lamenta que muitos se arrastem pela ganancia do dinheiro, pela cobiça, ambição e tirania.

O poeta faz a apologia das letras e da cultura; exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português; confessa estar cansado de não ser reconhecido artisticamente, revela medo da fragilidade da condição humana, alertando para os perigos que a todo o momento espreitam e que o homem tem de enfrentar.

"As Cousas do Mar"


Ao nível da estrutura, as estrofes situam-se no canto V de Os Lusíadas e no que se refere à estrutura interna situa-se na narração, quando as naus estão em Melinde e Vasco da Gama conta ao rei Mouro, em analepse, as viagens de Lisboa até Melinde. Neste caso especifico, o Gama relata os perigos de viagem, mais concretamente o fogo-se-Santelmo e a tromba marítima.


Trata-se de uma descrição dinâmica dos fenómenos onde sobressai recursos estilísticos como o pleonasmo como reforço do saber empírico, adjectivação expressiva ( "vivo", "esquivo", "escura", "triste"), verbos expressivos que conduzem á sensação visual como, por exemplo, enche, alarga, surver.

A descrição dos fenómenos, em especial da tromba marítima é tão pormenorizada que permite construir uma imagem visual da mesma (estr. 19 e 20) - Registe-se o destaque para o verbo ver que denota certeza, realismo e verdade; entrelaçam-se nestas estrofes 2 tipos de saberes: o saber empírico ( possuído pelos marinheiros e resultante da sua experiência e da observação directa de fenómenos) e o saber cientifico ( pertence aos sábios, um saber teórico, mais incompleto e menos real).

Camões foi um humanista, conhecedor de toda a cultura greco-latina e, paralelamente de todo o conhecimento cientifico, soube entrelaça usando a sua experiência de viajante por mar, o conhecimento empírico, através do qual é possível descrever minuciosamente os fenómenos observados directamente.

Neste âmbito, o saber empírico passou a ser valorizado e contribuiu fortemente para o enriquecimento do saber cientifico

"O Velho do Restelo"


Inserido no canto IV surge o episódio “O Velho do Restelo”.


Vasco da Gama é o narrador que canta ao rei de Melinde – narratário – a história de Portugal.

Esta narrativa é feita em “in media res” e no decorrer da conversa surge uma estreita correlação entre o episódio “Despedidas em Belém” e o episódio “O Velho do Restelo”.

Ponto d situação: aglomerado de pessoas no porto, para se despedir dos entes queridos que partiam para a Índia. No meio desse ambiente emocionado, destaca-se a figura imponente de um velho que, com a sua "voz pesada", ouvida até nas naus, faz um discurso condenando aquela aventura cujo propósito, segundo ele, é a cobiça, o desejo de riquezas, poder e fama.

O velho interveio junto dos navegadores portugueses que se aprestavam para partir para a empresa marítima da Índia, no sentido de os alertar contra os perigos da ambição em excesso e da cobiça pelas riquezas vindas do Oriente. Diz o velho que, para enfrentar desnecessariamente perigos desconhecidos, abandonavam os perigos urgentes do seu país, ainda ameaçado pelos mouros.

Simbologia

Representa uma corrente desfavorável à expansão para o Oriente, mais tolerante em relação à guerra no Norte de África. Traduz, ainda, o medo do desconhecido e a hesitação perante a novidade.

As falas das mães e das esposas representam a reacção emocional àquela aventura, o discurso do velho exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do experto peito”). É a expressão rigorosa do conservadorismo.

Como o Velho do Restelo, pensavam muitos naqueles tempos, assim como muitos pensam hoje em relação a assuntos semelhantes, como a conquista espacial ou a manipulação genética, por exemplo.

Quando representa a voz do bom senso e da fria razão assume a dimensão de personagem alegórica – personagem que defende um ideal/princípio.

O seu discurso denuncia a suposta irresponsabilidade dos marinheiros que se deixavam levar por promessas fantasiosas, pela vitória, para uma aventura com consequências trágicas

Poder-se-á referir que todo o discurso desta figura se contrapõe á ambição explicitada ao longo da viagem realizada por Vasco da Gama. É o negar do sonho, da ambição, da capacidade de iniciativa, logo no seu discurso há:

. A voz do senso comum, dado que ele defendia a quietude simples, a rotina, a anulação do desejo.

. A negação do mar, porque as suas palavras não reflectem o desbravar dos mares, o conhecimento dos “húmidos caminhos”, mas sim, a ligação à terra, às lutas em terra travadas com os Mouros no norte de África. Ignora a natureza aventureira e bem sucedida dos portugueses.

. Um mito humanístico, pois valorizava as batalhas no norte de África, nomeadamente as conquistas em Marrocos.



Logo o Velho simboliza a perspectiva oposta à do espírito épico, apelidando de vaidade aquilo que os outros chamavam de “Fama” e “Glória”, esforço e valentia.

Será que este velho é o porta-voz do bom senso, da prudência, ou daqueles que no Sec. XVI defendiam a expansão no norte de África ou a coordenação da ousadia humana, do ultrapassar dos limites impostos.

 

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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

"O Sonho de D.Manuel"


Canto IV: Estrofe 74 (Discurso do Rio Ganges no sonho profético do rei D. Manuel I )

«Eu sou o ilustre Ganges, que na terra

Celeste tenho o berço verdadeiro;

Estoutro é Indo, Rei, que nesta serra

Que vês, seu nacimento tem primeiro.

Custar-te-emos contudo dura guerra;

Mas, insistindo tu, por derradeiro,

Com não vistas vitórias, sem receio,

A quantas gentes vês, porás freio.»

 

Canto IV: Estrofe 76

Chama o Rei os senhores a conselho,

E propõe-lhe as figuras da visão;

As palavras lhe diz do santo velho,

Que a todos foram grande admiração.

Determinam o náutico aparelho,

Pera que, com sublime coração,

Vá a gente que mandar cortando os mares

A buscar novos climas, novos ares.

 

Análise

 

Estas duas estrofes descrevem dois momentos subsequentes: em primeiro lugar, o sonho que o rei D. Manuel teve, no qual lhe apareceu o Rio Ganges para profetizar sobre Portugal, sendo que, mesmo depois de dar aos portugueses “dura guerra”, este grande povo lusitano iria dominar novas terras ultramarinas: “Mas, insistindo tu, por derradeiro. / Com não vistas vitórias, sem receio. / A quantas gentes vês, porás freio.”

Em segundo lugar, a atitude imediata do rei, avisando os seus súbditos sobre os feitos gloriosos a eles reservados, o que os anima e faz partir de Lisboa em direcção ao Oriente, ávidos dessa glória, como se pode ler em “Determinam o náutico aparelho. / Pera que, com sublime coração, / Vá a gente que mandar cortando mares / A buscar novos climas, novos ares.” Repare-se na perífrase “náutico aparelho” (em vez de nau/caravela/barco) cuja expressividade é a de realce do meio por onde esse “aparelho” iria movimentar-se: o mar.
 
 
 
- Rio Ganges
 
- Rio Indo