terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Elementos da Tragédia Clássica



Hybris - Sentimento que conduz os heróis da tragédia à violação da ordem estabelecida através de uma acção ou comportamento que se assume como um desafio aos poderes instituídos (leis dos deuses, leis da cidade, leis da família, leis da natureza).
Pathos - Sofrimento, progressivo, do(s) protagonista(s), imposto pelo Destino (Anankê) e executado pelas Parcas (Cloto, que presidia ao nascimento e sustinha o fuso na mão; Láquesis, que fiava os dias da vida e os seus acontecimentos; Átropos, a mais velha das três irmãs, que, com a sua tesoura fatal, cortava o fio da vida), como consequência da sua ousadia.
Ágon - Conflito (a alma da tragédia) que decorre da hybris desencadeada pelo(s) protagonista(s) e que se manifesta na luta contra os que zelam pela ordem estabelecida.
Anankê - É o Destino. Preside às Parcas e encontra-se acima dos próprios deuses, aos quais não é permitido desobedecer-lhe.
Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.
Anagnórise (Reconhecimento) - Segundo Aristóteles, "o reconhecimento, como indica o próprio significado da palavra, é a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para a amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou a desdita." Aristóteles acrescenta: "A mais bela de todas as formas de reconhecimento é a que se dá juntamente com a peripécia, como, por exemplo, no Édipo." O reconhecimento pode ser a constatação de acontecimentos acidentais, trágicos, mas, quase sempre, se traduz na identificação de uma nova personagem, como acontece com a figura do Romeiro no Frei Luís de Sousa.
Catástrofe - Desenlace trágico, que deve ser indiciado desde o início, uma vez que resulta do conflito entre a hybris (desafio da personagem) e a anankê (destino), conflito que se desenvolve num crescendo de sofrimento (pathos) até ao clímax (ponto culminante). Segundo Aristóteles, a catástrofe " é uma acção perniciosa e dolorosa, como o são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes."
Katharsis (Catarse) - Purificação das emoções e paixões (idênticas às das personagens), efeito que se pretende da tragédia, através do terror (phobos) e da piedade (eleos) que deve provocar nos espectadores.

Liguagem e Estilo em "Frei Luis de Sousa"

Frei luís de Sousa é antes de mais um texto dramático e, por isso mesmo, utiliza o diálogo e o monólogo. Estas técnicas discursivas apresentam características específicas resultantes da sua natureza coloquial e oral. Deste modo, é possível verificar a qualidade linguística e estilística utilizada por Garrett. Os registos de língua presentes nesta peça são o familiar e o cuidado.
Em termos lexicais, verifica-se a utilização recorrente de palavras conotadas com emoções, repetições frequentes (como a do advérbio hoje), interjeições e locuções interjectivas e uma concentração a nível frásico que é o caso de – ninguém - onde se substitui um período por uma palavra.
No que diz respeito à sintaxe, verifica-se um grande número de frases inacabadas e concentradas, devido às hesitações deixadas pelo discurso emotivo das personagens. Em termos de prosódia, a entoação, as pausas e o ritmo fornecidos pelas didascálias reforçam a intensidade dramática e emotiva.
No que diz respeito à pontuação (exclamações, interrogações, reticências), esta acompanha o discurso emotivo das personagens, reforçando-o pela natureza expressiva. É possível verificar também no discurso de cada personagem especificidades que estão de acordo com as características de cada uma.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Elementos Simbólicos em "Frei Luis de Sousa"

Elementos clássicos e românticos

«Elementos clássicos

 No desfecho temos a presença do destino como castigo do amor de D. Madalena por D. Manuel

 Destino: força superior que transcende a vontade das personagens e perante a qual as personagens se tornam indefesas

 Presságios: Fogo (destrói a família e destrói o retracto); Leituras (Lusíadas e Menina e Moça)

 Phatos: crescente de aflição e de angústia que conduz ao clímax da acção através de uma precipitação de acontecimentos através dos presságios.

 Hybris: desafio lançado aos deuses ou às autoridades (atitude de D. Madalena ao casar com D. Manuel)

Clímax: auge do sofrimento

Peripécias: mutação repentina da situação

Anagnorisis: reconhecimento ou constatação dos motivos trágicos

Moira ou fatum: força do destino

 Catástrofe: desfecho trágico


«Elementos românticos

Narcisismo/ hipertrofia do eu: as personagens dão construídas a partir de uma projecção. Almeida Garrett transporta o seu problema de amor para D. Madalena e transporta o problema da filha ilegítima para Maria

Preferência pelas horas sombrias: o desenrolar da acção passa-se essencialmente à noite ou de madrugada.

· Culto da mulher-anjo: na personagem de Maria

· Nacionalismo/ patriotismo: nas atitudes de Manuel de Sousa

Preferência por personagens imperfeitas: D. Madalena que se apaixonou ainda casada

· Religiosidade

· Mitos/superstição

 Infracção e pecado

 Individualismo contra sociedade: Manuel de Sousa Coutinho decide o que há-de fazer porque a sociedade aponta Maria como filha do pecado, o 1º casamento seria inválido

 Liberdade contra destino: Ao escolher o amor, D. Madalena comete uma infracção à religião e costumes e o destino castiga essa acção. Será então o homem livre ou será dominado pelo destino? Tudo o que fará por escolha própria estará sujeito a castigo por parte do destino?


Sebastianismo

Ficheiro:Rei D. Sebastião.jpgO Sebastianismo foi um movimento místico-secular que ocorreu em Portugal na segunda metade do século XVI como consequência da morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Por falta de herdeiros, o trono português terminou nas mãos do rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo. Basicamente é um messianismo adaptado às condições lusas e à cultura nordestina do Brasil. Traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.

O povo nunca aceitou a morte do rei, divulgando a lenda de que ele ainda se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo para voltar ao trono e afastar o domínio estrangeiro.

O seu mais popular divulgador foi o sapateiro de Trancoso, Bandarra, que previu nas suas trovas o regresso do Desejado (como era chamado D. Sebastião). Explorando a crendice popular, vários oportunistas apresentaram-se como o rei oculto na tentativa de obter benefícios pessoais. O maior intelectual a aderir ao movimento foi o Padre Vieira.

No dia 1 de Dezembro de 1640, um grupo de conjurados chefiados pelo Duque de Bragança (futuro D. João IV - dinastia de Bragança), depôs em Lisboa o representante de Filipe III e restaurou a independência de Portugal e o movimento tomou novas características por todo o Império Português, especialmente no interior do Nordeste brasileiro, onde tomou a forma de crença na chegada de um "rei bom".

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Espaço em "Frei Luis de Sousa"

Espaço

· Acto 1º

Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada.

Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do século XII. É, pois, um espaço sem grades, amplamente aberto para o exterior, onde as personagens ainda gozam a liberdade de se movimentarem guiadas pela sua vontade própria. Através das grandes janelas rasgadas domina-se uma paisagem vasta. – É o fim da tarde.

· Acto 2º

Palácio que fora de D. João de Portugal, em Almada, que agora pertença a D. Madalena.

Salão antigo de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família, muitos de corpo inteiro; estão em lugar de destaque o de el-rei D. Sebastião, o de Camões e o de D. João de Portugal. Portas do lado direito para o exterior, do esquerdo para o interior, cobertas de reposteiros com as armas dos Condes de Vimioso. Deixa de haver janelas e as portas, ainda no plural, são já mais destinadas a cercar as personagens que a deixá-las escapar.

· Acto 3º

Parte baixa do Palácio de D. João de Portugal, comunicando pela porta à esquerda do espectador, com a capela da Senhora da Piedade na Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada: é um casarão sem ornato algum. Arrumadas às paredes, em diversos pontos, escadas, tocheiras, cruzes e outros objectos próprios para uso religioso. É alta noite.

· Qual é o tratamento dado ao espaço no Frei Luís de Sousa?

Progressão em termos negativos. Há um afunilamento quer a nível de luz, decoração ou amplitude. Ou seja, vai evoluindo no sentido da acção: vão surgindo acontecimentos que afectam a vida normal familiar e que culmina com a morte de Maria. A acção caminha no sentido da destruição, a par do tratamento que vai sendo dado ao espaço.

· Espaço social (costumes e mentalidades que definem uma época)
>> Características do palácio de D. Manuelà família da aristocracia;
>> Madalena lendoà Sendo mulher, usufrui de educação;
 >>A existência de Telmo, Doroteia, Miranda;
>> Maria lendo “Menina e Moça” de Bernardim Ribeiro;
>> D. João servia ao lado de D. Sebastião;
>> Peste à população com más condições; a Almada não chega a peste devido à falta de comunicação;
>> Os casamentos não eram feitos por amor à D. Madalena casa com D. João por obrigação;
>>D. Madalena fica com tudo o que era de D. Joãoà os casamentos eram feitos com base na partilha;
>> Maria é uma filha ilegítima por ser filha de um segundo casamento;
>> Más comunicações: um cativo na terra santa não consegue fazer saber-se que está vivo e a família também não o encontra;
>>O marido funciona, muitas vezes, com pai da esposa, pois esta é muito mais nova que ele.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Caracterização dos personagem em "Frei Luis de Sousa"

Maria de Noronha

Uma personagem idealizada:

- A ingenuidade, a pureza, a meiguice, o abandono, etc., próprios duma alma infantil, e a inteligência, a experiência, a cultura, a intuição, características de um espírito adulto, confluem numa personagem pouco real, só entendida à luz do desvelo que Garrett votava a sua filha Maria Adelaide e à condição social que, para a mesma, resultara da morte prematura da mãe;
- Protótipo da mulher-anjo, tão do agrado dos românticos, Maria é demasiado angélica para ser verdadeira;
- A sua dimensão psicológica resulta, por isso, contraditória, ao revelar comportamentos, simultaneamente, de criança e de adulto;

 Alguns traços caracterizadores de Maria:
- Ternura
- Culto sebastianista
- Dom de sibila (dom da profecia)
- Cultura
- Coragem, ingenuidade e pura
- Tuberculose


Manuel de Sousa Coutinho  

 

Nobre, cavaleiro de Malta
- No acto I, assume uma atitude condizente com um espírito clássico, deixando transparecer uma serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão que domina os sentimentos e que se manifesta num discurso expositivo e numa linguagem cuidada e erudita:
- Revela-se patriota, corajoso e decidido;
- Não sente ciúmes pelo passado de Madalena;
- No acto III, evidencia uma postura acentuadamente romântica: a dor, após a chegada do Romeiro, parece ofuscar-lhe a razão, tal é a forma como exterioriza os seus sentimentos, fazendo-o de uma forma um tanto violenta, descontrolada e, por vezes, até contraditória (a razão leva-o a desejar a morte da filha e o amor impele-o a contrariar a razão e a suplicar desesperadamente pela sua vida);
- Pode-se, pois, concluir que esta personagem, do ponto de vista psicológico, evolui de uma personalidade de tipo clássico (actos I e II) para uma personalidade de tipo romântico (acto III).



 D. Madalena de Vilhena


 Uma mulher bem-nascida, da família e sangue dos Vilhenas, os sentimentos dominam a razão:
Não é uma figura típica da época clássica, em que vive, em oposição ao que acontece com Manuel de Sousa. Toda a ordem abstracta de valores encontra nela uma ressonância pouco profunda, todo o idealismo generoso se empobrece dentro dos limites de um seu conceito prático, objectivo, pessoal de felicidade imediata, toda a espécie de transcendência choca, numa zona muito íntima da sua personalidade, com uma aspiração vitalista de realização humana e terrena.
- O sentimento do amor à Pátria é praticamente inexistente: considera a atitude dos governadores espanhóis como uma ofensa pessoal;
- Para ela, é inaceitável que o sentimento do amor de Deus possa conduzir ao sacrifício do amor humano, não compreendendo, nem aceitando a atitude da condessa de Vimioso que abandonou o casamento para entrar em votos: isto explica que, até ao limite, tente dissuadir o marido da tomada do hábito, só se resignando quando tem a certeza de que ele já foi;
- Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor de mulher, ao contrário do que acontece com Manuel de Sousa Coutinho, que se mostra muito mais preocupado com a filha do que com a mulher;
- A consciência da sua condição social mantém a sua dignidade, mas tal não impediu de ter amado Manuel de Sousa ainda em vida de D. João de Portugal e de ter casado com aquele sem a prova material da morte deste.



Frei Jorge Coutinho



Frei Jorge, irmão de Manuel de Sousa Coutinho, frade domínico. Primando pela serenidade, representa o consolo cristão, a fé como aceitação de todas as coisas, porque crê que as situações com que os homens se deparam escapam à sua compreensão, mas espelham a vontade de Deus. Pelo seu papel de confidente, que o leva a manifestar-se sobre os acontecimentos, desempenha, como Telmo Pais, um papel semelhante ao do coro das tragédias clássicas antigas.




D. João de Portugal - Romeiro

D. João foi guerreiro na Batalha de Alcácer Quibir, sob as ordens de el-rei D. Sebastião. É uma personagem que a nível bélico é considerada espelho de cavalaria.

Possui um carácter forte e decisivo, rígido e em certa parte vingativo, (sendo este rancor vencido pela benevolência, pela pureza e pela bondade). É desejado e invocado consequentemente por Telmo seu aio, que numa evolução psicológica final, contraria os sentimentos demonstrados nas acções anteriores. Quando regressa para demonstrar a fidelidade e lealdade a Madalena depara-se com factos que o surpreendem alterando o seu objectivo principal. Nesse momento D. João sente um grande vazio interior, pois não tem nem família, nem parentes, apenas um amigo (Telmo) que o deixou de ser da forma que outrora o foi.

Em relação aos aspectos físicos D. João possui barbas e cabelos compridos, que seriam demasiado alvos em relação à sua idade. Com traços faciais carregados. As vestes elementares e deterioradas, acompanhadas de um bordão com as conchas de San Tiago, símbolo dos peregrinos. Tendo em conta, que no passado foi um elegante e aposto cavaleiro moço.

 
 
  
 
 
 
 
 
 Enquanto D. João de Portugal                                                                    Enquanto Romeiro
 
 
Telmo Pais
A personalidade de Telmo é caracterizada pela grande cultura adquirida ao longo dos anos através da sociabilização e dos livros, tendo em conta que foi aio e escudeiro de D. João de Portugal e camarada de seu pai. No desenrolar da obra, Telmo, apresenta a sua personalidade dividida enquanto ao amor e à fidelidade que sente pela sua escolar Maria (fruto do segundo casamento de Madalena, de que Telmo não concordou) e pelo seu outro educando, D. João de Portugal.
Outra característica psicológica de Telmo é a sua crença e superstição, pois acredita no Sebastianismo; crença que desvanece ao longo da evolução psicológica do indivíduo pois a divisão interior é mais significativa; sabendo que o regresso de D. Sebastião implica o regresso de D. João de Portugal, Telmo deixa de acreditar na concretização do mito sebastianista (o que contradiz o seu carácter patriótico), deste modo aquele que foi tão desejado, por Telmo, deixa de o ser pois a sua vinda é a desgraça de Maria, aquela que Telmo decide ser a sua agraciada. Factor que demonstra grande ambiguidade sentimental.